Cind Canuto

inícios

E então eu acordei e percebi que ele me aborrecia. Há anos ele me fazia feliz. trazia chá ou café na cama, mas hoje acordei percebendo que já fazia duas semanas que ele não fazia questão nem de me cobrir e de me acordar com carinho. Mau sinal.
Eu enjôo fácil das coisas, no início fico com tudo que posso, vou todos os dias ao mesmo café, bebo todos os dias a mesma batida de morango com leite. Mas um dia o gosto do morango com leite me enjoa, mesmo que aquele seja o único lugar do universo que venda batida de morango com leite pelo mesmo preço durante o ano inteiro. Exatamente como se não houvesse época do morango.
E então eu descobri que talvez eu viva de fases e que isso é muito normal. Todos os dias eu acordo pensando no que posso fazer de diferente do que fiz ontem. A primeira coisa é sair ou três horas antes da cama ou um minuto depois, às sete e quarenta e seis, porque ontem foi às sete e quarenta e quatro. Simplesmente me recuso a sair em uma hora tão redonda quanto faltando 1/4 de hora para as oito.
E então eu comecei a fumar e saquei que tudo que a gente precisa pra fazer as coisas se tornarem rotineiras e pararem de incomodar tanto a nossa mente todos os dias é insistindo no que elas têm de ruim. É porque não existe nada pior do que fumar. É uma fumaça quente que invade sua boca e queima seus alvéolos pulmonares e você só precisa ser um pouquinho sensível pra sentir isso. Você tem que insistir no erro.
Mas então não deu pra viciar no que ele me aborrecia. Eu insisti e desisti. Dizem que no início tudo é perfeito. Acho que descobri, então, que eu tinha um único vício que mantinha toda minha rotina e que me trouxe de volta – ainda que apenas por alguns instantes – à realidade e à sanidade: os inícios, eu preciso dos inícios e definitivamente me esqueço de como foram os finais. Sim, senão jamais começaria de novo.

Cind Canuto

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