Camilo LucasO guia do roqueiro impublicável

“ROCK É ROCK MESMO”

Led Zeppelin: Uma experiência pessoal

Nestes tempos descolados em que vivemos, você consegue imaginar uma banda descolada fazer um filme mostrando a banda descolada ao vivo entremeada a fantasias filmadas e por neste filme o título acima?

Por exemplo, a gravadora dos Artic Monkeys ou do Vampire Weekend deixaria sua subsidiária no Brasil lançar um filme deles com o título “Rock é rock mesmo”? E o White Stripes então?

               

 Pois é. Em 1978 foi lançado no Brasil o filme “Rock é Rock Mesmo”, estrelado pelo… Led Zeppelin. A banda que pontificou nos anos 70 encabeçando uma verdadeira religião. E os cinemas brasileiros viraram templos desta religião, bem antes do bispo Macedo transformar os cinemas brasileiros em templos da SUA religião. Lembre-se: nem o videocassete tinha sido inventado ainda.

 O Led Zeppelin foi para os anos 70 o que os Beatles foram pros ‘60. Vamos deixar os Stones de fora porque eles foram dos ‘60, ‘70, ‘80, ‘90, ’00, estão nos ‘10 e se ninguém fizer alguma coisa, não sei onde a coisa vai parar. O que vem depois de ‘10?

 Mas o Led pontificou nos anos 70 e, como os Beatles, finaram no alvorecer da nova década. Não há como falar em anos 70 sem se referir a John Paul Jones, Robert Plant, Jimmy Page e John Bonham. A morte do baterista, por overdose de vodca, encerrou a carreira da banda. Mas durante os loucos anos 70, depois John Lennon declarou oficialmente morto o sonho, quem poderia guiar a juventude rumo ao palco prometido? Eles fizeram isto com maestria, gravaram oito obras primas, um disco ao vivo, um filme e encerraram a carreira com uma coletânea de sobras de estúdio.

A coerência não deixou que eles continuassem sem John Bonham. “Nenhum outro baterista vai fazer o som do Led”, afirmou Jimmy Page na época. E pararam no auge. O som que dominou os anos 80, com Iron Maiden, Scorpions, AC/DC, todo o heavy metal, paga tributo ao Led Zeppelin, mas ninguém fez o som que eles fizeram: Pesado, porem recheado de groove; o feeling da guitarra de Jimmy Page, que passava do folk inglês direto pro heavy blues sem perder a pose; o vozeirão estridente de Robert Plant emulando um coral de anjos decaídos; a bateria de Bonzo Bonham que simulava o estouro de uma manada de elefantes tribais, tudo embalado pela base dos teclados e do baixo de John Paul Jones, o maestro que não deixava ninguém esquecer que aquilo tudo era música, e não simplesmente barulho, como minha mãe recorrentemente afirmava lá da cozinha, só que eu não ouvia porque o som estava no volume máximo.

Os discos que estão ilustrando esta matéria são os vinís que sobraram na minha casa depois de mais de 30 anos de rock’n roll. Né, Baby? Esses discos tocaram nas festas dos anos 70, me acompanhou pelas cidades por onde passei nos ‘80, e foram motivo de vizinhos ligarem pra polícia nos anos 90. E ainda tocam que é uma beleza.

O mais legal eram as capas. Hoje, quando que se baixa apenas a música que se quer, a noção de álbum se perdeu, mas no tempo do vinil, era todo o conjunto da obra que criava a magia: pra começar, o disco era caro. Você tinha que escolher bem pra comprar, pois era um investimento. Não dava pra copiar. Tá certo, tinham as fitas K-7, mas era segundo escalão.

 O disco então tinha de ter uma capa chamativa, e as mais criativas eram as dos discos de rock. O Yes, o Rush e o Genesis caprichavam, pois a arte da capa tinha que sugerir as viagens oníricas cantadas pelos acordes do rock progressivo. Mas o Led era o campeão. As capas eram posters. O disco ao vivo, então, era brincadeira: vinha com um encarte de 8 páginas violentamente coloridas e ilustradas com fotos das cenas de fantasia do filme. O Houses of the Holy, que hoje seria acusado de pedofilia, trazia as menininhas loirinhas nuas engatinhando pelas pedras do tal local sagrado. O IV e o velho no alto da montanha fazia cada um viajar de um jeito. Enfim, o visual das capas, misturado com o som fantasticamente turbinado, gerava a onda cerebral de acordo com o estimulante, se é que ele era necessário.

 E a verdade é que todos eles eram super músicos, o que o punk veio condenar no fim dos ‘70 mas não colou. Uma crítica, muito apropriadamente (coisa rara) afirmou: “O bom gosto de Jimmy Page para misturar, sem choques, timbres e sonoridades de diferentes estilos musicais, muitas vezes nem mesmo na parte da guitarra, mas nos arranjos de outros instrumentos, é a diferença”. Basta dizer que na sua turnê “Pietá”, Milton Nascimento interpreta “Going to California”, ao lado de Marina Machado. Ao mesmo tempo em que o Led tinha a guitarra pesada pesada de Page, eles podiam na mesma música passar para o bandolin e o piano sem mudanças bruscas visíveis (ou melhor, audíveis).

Não falo aqui como crítico musical, não tenho preparo pra isso, falo como fã, sem fanatismo. Fã porque apreciador do trabalho realizado por eles durante seu tempo. Falo como pessoa que viveu alguns dos melhores momentos de sua vida ao som daquelas bolachas fantásticas lançadas nos anos 70. É, eu tive o privilégio de ser adolescente nos anos 70. Eu estava lá quando Sid Vicious e Johnny Rotten tentaram derrubar os dinossauros do rock. E é engraçado: a crítica de hoje, com seu distanciamento histórico, teima em afirmar que o Sex Pistols e o Clash derrubaram o reinado de bandas como Led Zeppelin, Deep Purple e Yes. Mas eu não vi nada disso na época.

Eu vi foi um monte de rebeldes sem causa raspando o cabelo no estilo moicano, furando a pele com alfinetes, usando roupas rasgadas e coturnos. Mas o som não me (nos) comovia. Quem era acostumado a Richard Blackmore, Jimmy Page, Steve Howe e Keith Richards não podia concordar que Steve Jones era melhor. A moda punk passou e deixou um monte de skinheads melequentos batendo em pretos e se dizendo o poder branco. Só se salvou o Clash por causa do talento de Joe Strummer. Mas o tempo provou que ninguém foi derrubado. A música do Led e outros dos ‘70 se tornou clássica, o punk ficou datado e cada um teve o que mereceu. E, se for o que nós merecemos, os boatos se confirmarão e nós teremos um pouco de Led de volta.

A COLEÇÃO OFICIAL

 

O primeiro disco, Led Zeppelin, veio à luz em 12 de janeiro de 69. Enquanto era lançado, os Beatles estavam no terraço da Apple gravando seu adeus e os Stones, enrolados com as doideiras de Brian Jones, tramavam um jeito de expulsá-lo da banda, sem saber que se esperassem mais um pouquinho, seriam poupados deste desgaste pela sua morte trágica na piscina.

A capa trazia a foto clássica do Graff Zeppelin se incendiando numa torre de TV nos Estados Unidos, o que causou problemas com a família Zeppelin quando eles foram se apresentar pela primeira vez na Alemanha. Diz a lenda que o nome da banda surgiu quando o baterista do The Who foi ver um ensaio dos caras, que estavam deixando a alcunha de “New Yardbirds” para se lançar como uma nova banda, mas ainda sem nome. Ao ver o tamanho do barulho que eles faziam, e achando tudo aquilo totalmente anticomercial, o doidão dos doidões Keith Moon soltou:

– Esta banda vai decolar como um zepelin de chumbo!

Zepelin de chumbo. Led Zeppelin. Ficou o nome.

No primeiro disco, as influências blueseiras estavam à flor da pele, mas o estilo pessoal já se manifestava em baladas pesadas como Your time is Gonna Come e Baby I’m gonna leave you. E Dazed and confused.

No mesmo ano, em outubro, saía Led Zeppelin II. O surpreendente sucesso do primeiro e o gás em que a banda estava não podiam esperar. E veio a consagração: Whole Lotta Love lança a receita do Heavy Metal, coadjuvada por  Heartbreaker e Living loving maid. Thank You também foi outro standard do heavy: o das baladas doces que seriam incorporadas por bandas como o Black Sabbat (”Changes”) ou Scorpions (”Still lovin’ you”), por exemplo. Depois desse disco, o Led virou “a” banda, os queridinhos dos roqueiros que entrariam nos ‘70 a fim de algo mais do que a paz e amor dos ‘60. Afinal, o sonho tinha acabado.

Em 5 de outubro de 1970, Led Zeppelin III mostra uma evolução na trajetória da banda, com violões fazendo contraponto à guitarra ensandecida de Jimmy Page. O blues Since I’ve been lovin’ you, a pedreira Immigrant song e a baladona Tangerine são os clássicos. O estilo mais “folk” do disco causou um pouco de estranheza, mas segundo Page, o Zeppelin não seguia receitas: “O som de cada disco mostra exatamente o momento em que a banda se encontrava”.

Quando se pensava que o mundo já tinha acabado, sai em 8 de novembro de 71 o disco “sem nome”, mas que obviamente ficou conhecido como Led Zeppelin IV. Pra encurtar o assunto, pois o espaço é pouco, basta dizer que foi alí que o mundo conheceu Stairway to Heaven. Você que a acha manjada hoje, não sabe o que foi quando a rapaziada ouviu pela primeira vez. Orgasmos múltiplos se sucediam a overdoses homéricas. Serguei surtou! Sem contar ainda Going to California, Black Dog, Misty Mountain Hop, Rock and Roll… um disco que já saiu como “greatest hits”.

Depois de um pequeno intervalo, vem o disco mais pop do Led. Agora eles param de fazer discos sem nome e batizam a bolacha de Houses of the Holy. Lançado em 28 de março de 73, traz reggae (”D’yer Maker”),gravado até pelo (aaargh!) Babado Novo (essa informação é relevante? Atenção editor!!). Traz os grooves Over the hills and far away e The ocean (minha preferida), uma sucessora de Stairway to Heaven (The rain song) e o hit  The  song  remains the same.

Pura mentira: nunca mais a música foi a mesma depois do Led.              

Agora eles davam mais tempo entre um disco e outro. Mas em 24 de fevereiro de 75 sai um álbum duplo: Physicalgraffiti. Aí a moçada pirou. Ninguém tinha dinheiro pra comprar álbum duplo! Ou vocês acham que no tempo do vinil tinha essa pirataria toda aí? E o disco ainda veio com Kashmir!!! Foi um tal de beber menos, ficar sem lanchar no recreio, essas coisas… pra juntar pro disco.

Em seguida, veio o pesadasso Presence (31 de março de 76). Aquilles last stand, Noboby’s fault but mine, Tea for Two, só petardos. Sem baladas desta vez. Blues pesado e heavy metal de primeira. Quando comprei esse disco fiquei uma semana sem sair do quarto.

Em 22 de outubro de 76 aparece o primeiro ao vivo do Led: The song remains the same (eles insistiam na mentira). Trilha do filme citado no início desta matéria, que só chegou ao Brasil em 78. O show foi gravado anos antes (73) no Madison Square Garden.  Acho engraçado ver as críticas de hoje, escritas por quem não estava lá, dizendo que o disco ficou uma bosta (com outras palavras, claro). Aqui: a gente não tava nem aí não. Era um ao vivo do Led Zeppelin, ninguém tinha a mínima chance de ver um show deles, então o que aconteceu foi histeria coletiva mesmo. E era mais um álbum duplo! A essa altura, a tendência já era tentar arrumar emprego (NÃÃÃÃÃO!!), porque ficar sem o disco é que não dava. E ele veio com um encarte fantástico, cheio de fotos do filme para o qual serviu de trilha sonora (veja em outra parte desta matéria).

Falam mal das interpretações , que podia ser melhor e tal, mas se esquecem que o mais legal do disco ao vivo é flagrar o momento histórico que a banda vive, e nenhum momento no palco é perfeito como no estúdio, e nisto está toda a graça: você vê que os caras são mortais como você.

Mesmo assim, as versões de Celebration Day, Stairway to Heaven e No quarter valem o disco. E com um pouquinho de paciência (ou com outras coisas, como se fazia na época), ouvir os 27 minutos de Dazed and Confused ou os 15 de Whole Lotta Love vale a pena só pra viajar no tanto de citações que Jimmy Page inclui nos solos. E foda-se: era o Led tocando ao vivo.

Depois do ao vivo, aconteceram aqueles revertérios todos que já se tornaram lenda: acidente de carro com a família de Robert Plant, afundamento nas drogas do Jimmy Page, morte do filho de Robert Plant… e a turma que ficava ouvindo os discos de trás pra frente pra descobrir mensagens satânicas cifradas em Stairway to Heaven colocando a culpa no ocultismo praticado pela banda. Rock legends. Sempre haverá isso. Afinal, Paul não morreu e foi substituído por um sósia?? A verdade é que a banda tava numa maré braba.

Mas em 15 de agosto de 79 sai In through the outdoor. Finalmente um disco novo do Led. Mas que estranho! Só tem teclados!!! O que está acontecendo? Tirando All my love, o resto é difícil de ouvir. Má fase… que não iria passar: durante os ensaios da turnê, John Bonham morre de coma alcoólico após ingerir 40 doses de vodca. Fim da banda. Rock é rock mesmo. Como toda ópera, lançam Coda para fechar o ciclo, trazendo sobras de estúdio. Salva-se Hey hey what can I do. Long live rock’n roll.

DICAS VALIOSAS

 

O FILME. Lançado no Brasil em 1978, com o título “Rock é Rock Mesmo”. Vai saber! Chegou a Caratinga em 79. Passou no Cine Itaúna e depois no Cine Brasil. Somando, umas cinco sessões. Todo mundo foi nas cinco. Era “o” programa pra noite. Todo mundo no cinema. A experiência religiosa de ver um show inteiro do Led Zeppelin comoveu todo mundo naqueles tempos pré-videocassete. O que a moçada achou mais legal é o que a crítica malha hoje: as “viagens” dos integrantes da banda. Robert Plant em família, Jimmy Page escalando o monte e encontrando o “velho” lá em cima, John Paul Jones cavaleiro medieval, John Bohnham curtindo sua moto… até o empresário Peter Grant entrou na história, dando uma de gangster (será que era fantasia mesmo?) Tudo isso em meio ao showzasso gravado em três noites no Madison Square Garden. Está disponível em DVD. Jimmy Page produziu uma reedição, que já foi lançada, mas eu ainda não assisti. 

 

O DVD. Em 2003 sai o sonho de consumo de todo fã: Um DVD duplo com 4 shows do Led (1970, 1973, 1975 e a última grande apresentação, no festival de Knebworth, Inglaterra, 1979).  Além disso, os extras trazem os primeiros clips da banda, entrevistas, e uma jóia: uma apresentação para a TV dinamarquesa, quando eles tocam para uma pequena platéia sentada no chão ao redor deles. Supremo privilégio. Consta que foi dificílimo produzir este DVD, pois uma das coisas em que o Led era mais zeloso era em não permitir filmagens em seus shows. Ou seja, garimpar estas imagens foi coisa de arqueólogo. Mas o resultado valeu a pena, e muito. É uma obra de arte. 

 

O LIVRO. “Led Zeppelin: Quando os gigantes caminhavam sobre a Terra”, de Mick Wall, é um documento imprescindível. Reconstitui a história da banda e revela detalhes que originaram as lendas. Especialmente a relação de Jimmy Page com o ocultismo. Ele realmente era iniciado, e perseguia relíquias de Aleister Crowley, chegando ao extremo de adquirir imóveis onde ele viveu, originais de livros e praticar os ritos sugeridos pelo mestre do ocultismo. Somado à prepotência do empresário Peter Grant, que usava métodos pouco ortodoxos de negociação, e às orgias regadas a drogas e pancadaria que envolviam a todos na passagem da banda pelas cidades, tem-se um panorama nada lisongeiro do Led, mas isso só demonstra que o som que eles geraram não foi tirado de trás da orelha. O peso, a violência, a energia incontrolável tiveram origem na própria vida deles, e o fim da banda, se foi precoce, pelo menos garantiu a sobrevida física dos integrantes remanescentes, que provavelmente sucumbiriam àquele rolo compressor, se prosseguissem. É o que pensa até hoje Robert Plant, que já recusou inúmeras propostas de Page para que a banda voltasse a excursionar. Plant quer é sossego. Para bandas como o Zeppelin, there’s no quarter.

Camilo Lucas

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