Tuberculose para que te quero
Texto (im)publicado na última edição da revista Jararaca Alegre.
Caros amigos poetas, cuidado para que a poesia não faça de suas vidas um livreto de quinta categoria. O mundo está cheio de poetas e dos que se acham poetas, mas ultimamente tem se tornado muito difícil distinguir essas duas classes. Primeiro porque os que se acham estão se tornando senis e por isso se acham vates maduros, legitimados e autorizados a escrever qualquer porcaria; e segundo porque os que se acham, obviamente, se acham melhores que os verdadeiros. Entretanto, o ponto de distinção entre os artistas do lirismo e os pretensos, está na operação e não no resultado. Poetas, sejam os miseráveis ou condes, têm a poesia como consequência de uma ação crônica: a vida. Não importa se ela é marcada pela monotonia cotidiana, esse homem não precisa de uma catástrofe para ter inspiração, às vezes nem precisa da inspiração, ou mesmo da concentração para escrever um belo poema. Versos não são feitos somente da boemia de Vinícius de Morais. Affonso Romano de Sant’anna é capaz de transformar um dia entediante e a falta de estro em versos: Os poemas que não tenho escrito porque trabalhando num banco me interrompiam a toda hora ou tinha que ir à venda ou à horta – quando o poema batia à porta. Ou ainda Maxs Portes que em conversa em um boteco, me disse: “eu não sofro pra escrever. Escrever não dói. Escrever é um exercício diário. A gente escreve um monte de porcaria, e no meio disso, às vezes sai alguma coisa boa”.
Acontece que tem gente querendo contrair tuberculose para transformar a dor em poesia, ou inventar paixões e amores platônicos para dar mais dramaticidade à vida. Tornar o dia-a-dia um conto de fadas não faz com que os sonetos fiquem mais bonitos, pelo contrário, a beleza acaba por passar despercebida, e o que era para ser sensibilidade se torna apenas mais uma ilusão dessa vida inventada. Se a história de um homem não lhe dá bagagem para escrever meia dúzia de estrofes, sinto dizer, meu caro, mas você pegou o trem errado, dissimular emoções não irá suprir a sua falta de sensibilidade. Não adianta tentar vestir-se apolíneo e aprumar uma postura de bardo, nem usar a clássica pena em vez da caneta Bic. A única postura que o poeta deve ter é a de saber que ele não é o cara que inventou a poesia, e sim a poesia que o inventa, afinal ela nada mais é do que uma representação da vida transcrita pela sensibilidade daquele, que com gosto, chamamos de poeta.
Robert de Andrade
Os Impublicáveis