O que o cu tem a ver com as calças?
O que o cu tem a ver com as calças eu não sei, mas, pelo visto, ele não tem a ver com muita coisa. Um dia, pela manhã, recebi um telefonema da Revista Acadêmica do SENAC-MG, eles estavam para publicar um dos meus contos que já havia passado por todos os trâmites necessários e alguns desnecessários: autorização da publicação, termo de responsabilidade, direitos etc.
– Bom dia! Senhor Robert? Disse do outro lado da linha uma voz professoral.
– É ele, pois não?
– Aqui é da Revista Acadêmica do SENAC. É que, há alguns dias, nossa secretária Bianka entrou em contato com o senhor para tratar sobre a publicação do seu conto na nossa revista. Pois é, a revista vai ao ar hoje (é uma revista virtual) e estou ligando para pedir desculpa, bem como lhe comunicar que seu conto é muito bom, mas não será publicado.
– E por que vocês desistiram da publicação?
– É que o “dedo no cu” não pega bem.
– Mas é só a senhora fazer isso em lugar reservado; e tem mais, o dedo e o cu são seus… ninguém tem nada a ver com isso – só pensei, mas queria muito ter falado.
– Mas de que “dedo no cu” a senhora está falando?
– Sabe Robert, seu conto é muito bom, mas tem essas palavras “dedo no cu”, “cocô”, “fezes”… nós achamos que as pessoas não as compreenderão muito bem.
No mínimo, os leitores e editores da revista não têm cu e nunca cagaram, ou ainda não passaram pela fase anal e desconhecem sua importância para formação do Eu.
– Eu particularmente gostei muito do texto, e isso não me incomoda (o dedo no cu, suponho). Saiba que eu participei da comissão julgadora do concurso e fui uma das que defendi o seu (o meu cocô, o meu dedo ou o meu cu?), mas você sabe, né? Isso é literatura, tem mais a ver com uma revista literária.
Ah é! Quando vamos ao banheiro nós estamos fazendo literatura, pondo para fora todo o nosso lirismo, meu avô sempre fazia um sarau flatulento antes do banho e era, literalmente, um estouro.
Ela ficou dez minutos se desculpando e falando com naturalidade sobre um problema estilístico-cuzal (uso indevido da palavra cu, sendo que ânus fica melhor “colocado”, o que não deixa ser obsceno) e usando o cu coloquialmente (assim pode), tentou justificar a impublicação de mais um texto meu, com o argumento de que o cu não tem nada a ver com as calças.
Pobres dos que não têm cu; sem vazão, suas fezes devem subir para cabeça.
Robert de Andrade
Os Impublicáveis