Meu espaço público
Era uma vez ser como um bombeiro, pensando o espaço público como algo a preservar, mas quase sempre depois que o circo pegou fogo. Teria uma boa imagem e preservaria mais facilmente o bom caráter. Não, não, melhor seria ser um arquiteto. Inventivas linhas curvas embelezando nosso espaço, fazendo ele parecer melhor do que é. Claro que o arquiteto não planeja que esse espaço seja oligopolizado. Pensando bem, melhor ainda seria ser o porta-voz de uma escola de samba, inventar um espaço ideal, cheio de cores e pacífico ainda que rodeado de competição e violência.
Está certo, algumas profissões favorecem mais a integridade moral do que outras. As pessoas tem vocações; assim como o caráter elas são formadas durante a infância. Conforme Weber, a vocação é para a política ou para a ciência. Não vejo muita diferença entre as duas e nem devo explicar muita teoria aqui, mas seria até bom que as pessoas tivessem somente essas duas vocações.
A política e a ciência tratam de fatos ocorridos na esfera pública. O público realmente não é mais amplo que o privado, público é o que não é privado. As notícias de modo geral são relativas ao que é público e a maioria das coisas são privadas. Há situações em que um limite aceitável é ultrapassado, então o acontecido sai do privado e pode vir a ser público. É o caso da violência doméstica contra a mulher, é o caso do crime hediondo, entre outros.
Já na ficção, não temos um “modo geral”. Publicações ficcionais ou não sobre o crime e seus desvendamentos sempre foram alvo de leitura ávida. Já a algum tempo, as publicações saíram dos livros e são vistos em um suporte que não favorece muito a imaginação: a TV. Mesmo com fotografia, gravações, tudo para dar credibilidade, as notícias ainda parecem e até são mesmo ficcionais.
No suporte televisivo, o que é público é mostrado de forma superficial, quase sempre como contexto de algo particular. O contrário deveria acontecer, já que o que é público é até menos amplo e relativamente mais fácil de se discutir. Mas então não daria polêmica, não dá audiência. Contra isso não podemos culpar apenas os editores. Os recortes em que o particular é sensacionalizado são sempre os mais comentados, mais vistos, mais procurados na internet, etc. Essa busca não se restringe a nenhuma classe social. Mesmo na leitura, ou no cinema, o contexto social está de acompanhante do romance entre mocinho e mocinha ou, para a linha cult, acompanha a biografia de alguém considerado importante.
Mas tudo bem, assim o espaço público das ideias conta pelo menos com os bombeiros, sempre bons profissionais, e na ficção conta com os arquitetos e os sambistas. A vocação que está faltando talvez seja só a arte. É bom ver alguns que em vez de ibope buscam ser artistas e não apenas se chamam de artistas retoricamente, fazendo da mentira uma verdade ficcional muito feia. Esses parecem ter vocação para a fofoca. A arte não é só beleza, mas também é, e como faz falta. A arte não é só inconformismo, mas também é. E arte não é só palavra ou imagem esmeradas, também é ação, faz parte da vocação para a política e para a ciência, quando a sociedade vai de encontro com ela mesma e se transforma.
Cind Canuto