Inocentes, mas nem tanto…
Dois ícones da cultura pop: o Seu Madruga e o Che Guevara. Os dois ocupam o mesmo espaço nas camisas despojadas usadas pelos mais moderninhos. Dois latino-americanos, sem dinheiro no banco ou amigos importantes, lembrando Belchior, ou não, como diria o tropicalista Caetano Veloso.
Esses dois jovens senhores, não o Caetano ou o Belchior, mas Seu Madruga e Che Guevara, estão nas estampas das camisas vendidas nas feiras hippies, seus rostos foram apropriados e apresentam chaves para compreensão do mundo em que vivemos, no qual as imagens manipuladas nos permitem ironizar as seriedades dos discursos, tornando-os frívolos e passageiros. Isso ocorre por que o último momento das vanguardas do século XX desembocou no Kitsch, que já estava imbuído na proposta tropicalista, por exemplo.
No entanto, o que se viu foi que por dentro não foi possível mudar. Forçar por fora se mostrou totalitário. O que fazer? Não há resposta não, qualquer uma seria uma espécie de direcionamento partidário. No final das contas, o mundo acabou, os Beatles cantam Baby, Baby, Baby e você já nem precisa saber da piscina, nem da margarina ou da Carolina.
Dessa maneira, o que alguns chamam de Hipermoderno e outros de modernidade tardia reafirma o que a dialética do esclarecimento vinha tentando dizer e, talvez conscientemente, tenha sido mal interpretada por aqueles que viam em Adorno um nobre. A razão perdeu a batalha para a razão. E a liberdade para o instrumental.
Sim. As indústrias culturais, nas mais variadas formas, globalizaram-se e criaram mecanismos de controle cada vez mais perversos. Mas, ao contrário do que diziam os mais pessimistas, elas não acabaram com as culturas locais. Amalgamaram-se a elas e a represaram de tal maneira que as tornaram “moderníssimas”, mas pálidas, inertes, imóveis.
Uma breve retomada histórica dos vários estilos que nasceram e morreram no universo da música pop no Brasil, nos últimos trinta anos, poderia ilustrar bem isso… Se partirmos do Brock até o sertanejo universitário, as Hibridações ocorridas demonstram que a negociação do que conhecíamos como MPB com a música romântica e pop internacional criaram estilos únicos, é verdade, mas que corroboraram, ao longo desses anos, a mesma lógica globalizada do consumo transnacional e domesticado, e não mais subversiva, apesar de moderna.
Isso por que esta modernidade não privilegia o tempo, apesar de acelerá-lo. O excesso de informação o explodiu, da mesma maneira que fez com o espaço. Se não é o fim da História, tal como previa aquele “inocente” pensador nos anos 90, quer se fazer acreditar nisso. Tal como se queimaram livros no nazismo, essa nova cultura globalizada quer nos fazer crer que isto que está aí é o que devemos aceitar como um dado inexorável e resignado da nossa incapacidade de lidar com a mudança. É tão totalitário quanto o Fascismo.
A indústria de entretenimento quer nos convencer de que a racionalidade libertária não deve ser boa. Vivamos então como hedonistas, vamos acelerar o consumo e, quem sabe dessa maneira, poderíamos ser felizes. A grande contradição é que estamos vivendo em uma sociedade em que a informação é o próprio capital, mas para quem?
Daí é que Che Guevara e Seu Madruga são índices. A brincadeira é ótima…. Seu Madruga, o malandro latino-americano, na pele do romântico revolucionário que Andy Warhol fez penetrar na cultura pop norte americana, ao colocá-lo ao lado de Marilyn Monroe. Talvez o nosso tropicalista diga também que Seu madruga é lindo, ao lado de Bin Laden. São tão loucos pela América, afinal de contas…
Mas misturar o Seu Madruga com Che Guevara não é um ato tão inocente assim. Significa colocá-los na condição de significantes, tirando deles a sua condição histórica, o tempo. Da mesma forma que o jornal carioca perguntava em sua manchete, um dia depois da morte de (Hugo) Chaves: e o Kiko? O que era Kitsch virou a norma e Almodóvar já descobriu isto. O que era subversão, agora é o ordinário.
Ah, esse capitalismo… Apropriou-se das guitarras de Hendrix ou da força daquela bateria de Will Rock You e domesticou a revolução dos costumes. Agora o sexo instrumentalizado é parte da sociedade de consumo e os hedonistas são conclamados a vivê-la, de tal maneira que vender a virgindade em um documentário não é moralmente inaceitável. A burguesia não é a mesma da ética protestante, e um novo espírito capitalista pode ser observado. Marx mais uma vez estava certo, a burguesia continua revolucionando, transformando tudo em mercadoria, etapa por etapa…
Em pedacinhos, a cultura pode ser vista como um amontoado de signos, desconectados de seus contextos de produção. Conectados pelo oráculo, o Google. Uma espécie de alienação que poderia ser contada por Chaplin em um videoclipe. Mas agora os videoclipes estão fora de moda e a MTV é da Abril. VEJA bem…
Luiz Correa