Robert de Andrade

Os ruídos do movimento

Na época de escola, aluno da sétima série do Colégio Flávio dos Santos, situado no cruzamento da Rua Jacuí com Avenida Cristiano Machado, uma das mais movimentadas de Belo Horizonte, participei pela primeira vez de uma manifestação. Mais tarde acabei me embrenhando no movimento estudantil da UBES. Uma colega tinha morrido atropelada ao sair da escola e, no dia seguinte, saímos todos, alunos e professores, em uma passeata pela avenida reivindicando a construção de uma passarela e a instalação de grades de contenção.  O grupo foi aumentando e seguimos entoando palavras de ordem. Num dado momento, enquanto uns gritavam “passarela já”, ouviam-se gritos isolados no meio da multidão de “matemática nunca mais”, “libera a quadra no fim de semana”, “pichação não é crime” e por aí foi.

Conseguimos o gradeamento, mas a passarela nunca veio. Eu descobri que era assim que funcionava, pedia-se tudo para conseguir um pouco. No entanto, tínhamos que pedir juntos, em uníssono, assim o som se propaga melhor e pode ser ouvido e compreendido à distância. A dissonância das vozes que reivindicavam suas idiossincrasias, talvez pela inocente emoção de participar pela primeira vez de uma mobilização, se perdia no ar. Esses ruídos sempre acontecem nos movimentos, mas não se pode permitir que se apropriem do movimento como se fossem sua causa primeira. Afinal, não se saber o que se quer com uma mobilização é esvaziá-la de sentido, fazer com que deixe de ser uma mobilização.

A greve sem precedentes dos caminhoneiros fez ecoar dois gritos, um pela mudança na política de preços da Petrobras e outro pela redução do preço do diesel, que parecem ser a mesma coisa, mas têm diferenças significativas. A mudança na política de preços impactará diretamente em toda a população, enquanto a simples redução temporária do diesel irá favorecer em maior parte, considerando os 30% de caminheiros autônomos, as transportadoras, por conseguinte os empresários.

É muito válido a população apoiar a greve, isso sem dúvida fortalece a democracia, mas também é fundamental refletir sobre o que se apoia, sobre qual é a finalidade da paralisação. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, deixou bem claro em coletiva à imprensa que a pauta do governo se limita à redução do preço do óleo diesel. Quase que como um recado ao povo de que só declarar apoio aos caminhoneiros não causará a diminuição do preço dos demais combustíveis.

O objeto da mobilização deve ser claro, sob pena de se perder na cacofonia das demandas individuais ou de ser assaltado pelas ondas histéricas que movem as massas, bem identificadas nos apelos masoquistas por intervenção militar. É sempre bom se posicionar antes de entrar para algum movimento: decidir se saímos de casa para lutar por um viver juntos com segurança, dignidade e justiça ou para nos juntarmos bovinamente ao coleguinha eufórico que pede o fim das aulas de história.

 

Robert de Andrade

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