(des)levezas

Pai, afasta de mim este fala-se (versão pós-golpe – 2019)!

Pai, afasta de mim este fala-se (versão pós-golpe – 2019)!

Historicamente falando, há não muitos anos, brilhante intelectual – e músico – cantava “Pai, afasta de mim este cálice”, insurgindo-se contra a censura, a favor da liberdade de expressão. Porém, se então de tão gorda a porca não andava, hoje, de tão magra, ela voa!

Se de nada se podia falar antes, hoje de tudo se fala, mesmo que não se tenha o que dizer. A tão reclamada liberdade de expressão perverte-se em libertinagem, pornografia tagarela. Todos se sentem autorizados a dizer de tudo publicamente, como se quaisquer opiniões a respeito de qualquer coisa fossem dignas de se transformar em discursos. Questões privadas se convertem em assuntos públicos, representando desperdício da luz e da oportunidade de expressão outrora tão escassas. Ou será que, no Brasil, grave, mesmo, são as sacanagens carnavalescas?

Vivemos uma espécie de caça espetaculosa a bruxas imaginárias que se presta a manter tudo como sempre foi – ou até pior –, entretanto, embora cada vez mais óbvias, sobre as mentiras deslavadas de mi(n)tos ocos poucos querem dizer. Afinal, reconhecer como somos vítimas fáceis de certos estelionatos políticos dói… E dói porque equivale à confissão de um analfabetismo político e de uma ignorância histórica criminosos, de um ressentimento e de um ódio bastante fedorentos…

Melhor que assumir determinadas responsabilidades é instruir-se por memes e desfilar conhecimento nas redes sociais. Na superfície, respira-se melhor. Ao invés de fomentar o debate sobre o esvaziamento do estado que afetará – na verdade, já afeta gravemente – pobres e médios, preferimos, enquanto pretensos capatazes, repetir o discurso do senhor e festejar medidas simplórias e cosméticas supostamente eficazes para a solução de questões complexas como desemprego, violência e criminalidade.

Vivemos a era dos sábios de meme. Afinal, “imagem é tudo, sede não é nada”, já dizia a propaganda de refrigerante. As palavras esvaziam-se diante da imagem, que, segundo entendimento corrente, dispensa reflexão ao valer mais que mil daquelas (palavras).

Nesse cenário, os espaços que deveriam destinar-se preferencialmente aos debates de interesse público são cada vez mais destinados a tagarelices, fofocas, cabendo questionar se a bebida amarga não terminou substituída por doce e entorpecente veneno derramado no mesmo cálice outrora denunciado pelo artista. No final das contas, se a tagarelice não é mais que silêncio loquaz, vê-se que ser filho da outra não é melhor que ser filho da santa.

Previous post

Alfaiatarias e texturas I

Next post

Algumas considerações sobre sujeito, lei, culpa e processo civilizatório