O dia em que Maquiavel foi às ruas
Os protestos ocorridos nas últimas duas semanas em mais de 90 cidades do Brasil, levando milhares de pessoas às ruas, se iniciou por uma causa, aparentemente, insignificante se comparada a problemas mais graves que podem ser encontrados aos quatro cantos do país. O ínfimo motivo, aumento da passagem em R$ 0,20, culminou em manifestações de grandeza sem precedentes, levando todas as esferas de poder a uma profunda perplexidade.
Conchavos políticos, trocas de favores e o sonho do poder eterno levaram “os governos” a se esqueceram da premissa maquiavélica em que o mal não pode ser feito aos poucos, julgando suficiente os afagos que vez ou outra fazia à nação entorpecida. É a incompetência que resulta em impasses como esses. O político brasileiro acha que política se faz apenas entre políticos, iludidos pela concentração do poder em pequenos grupos, sendo que uma política efetiva se faz com o povo e para o povo.
O poder social no Brasil parecia bastante disperso e devemos levar em conta que os avanços obtidos pelo país nos últimos 15 anos, principalmente na redução da miséria, contribuíram para tal. No entanto, o povo sabe, e não precisa de muita instrução para isso, que o governo é um reflexo da nação. O brasileiro se olhou no espelho, não gostou do que viu e se mostrou muito mais conhecedor de Maquiavel que o governo, pois optou por fazer o mal da forma correta: de uma vez só.
O governo, acostumado a agir de forma dosada, teve que reagir com um ímpeto desastroso, que só não é mais trágico porque o povo está estreitamente ligado ao governo que ele elege. Daí tem-se um movimento que se inicia por um motivo claro e bem definido, mas que ao ganhar corpo se pulveriza nas mais diversas reivindicações, como a brincadeira do telefone sem fio. O próprio Movimento Passe Livre chegou a ser criticado por não participar dos protestos em São Paulo após o governo ter voltado atrás no aumento das passagens. Ora, não era isso o que eles queriam? Os manifestantes podem estar dispersos, lutando por causas isoladas, mas devem ter objetivos claros e não fazer dos protestos apenas uma demonstração de insatisfação. Desse modo, poderão se posicionar, saber o momento de avançar e de recuar.
E se o fim da corrupção é uma reivindicação unânime, não devemos nos restringir ao mau comportamento de um governo corrompido, mas também às nossas pequenas corrupções que só são pequenas porque equivalem ao poder que exercemos sobre os outros.
Que essa luta por mudança nos mude também.
Robert de Andrade
Os Impublicáveis